Rei Kawakubo é uma das figuras mais influentes e enigmáticas da moda contemporânea feminina. Como fundadora da Comme des Garçons, ela passou décadas desafiando tudo aquilo que normalmente associamos à roupa: beleza, corpo, estrutura, gênero. Seu trabalho não se trata de tendências - é sobre investigação. Sobre a forma como uma questão. A roupa como uma linguagem de ideias.
O começo: o preto como um novo significado
Em 1981, Kawakubo apresentou sua primeira coleção em Paris. Ela era quase inteiramente preta, com furos, assimetria e texturas rugosas - peças à beira da desintegração. Os críticos chamaram-na de “chique Hiroshima”, e não era um elogio. Mas, em retrospecto, esse momento marcou uma virada. Uma declaração de que a moda podia rejeitar a beleza, a perfeição e os corpos idealizados - e ainda assim ser profundamente poderosa.
Comme des Garçons: uma marca que pensa
Apesar de seu sucesso comercial crescente (especialmente pela linha mais acessível PLAY), as principais coleções da Comme des Garçons nunca tiveram como objetivo ser “usáveis” no sentido convencional. Elas existem em algum lugar entre moda, escultura e teatro.
Kawakubo raramente explica suas ideias - ela cria espaço para a interpretação. Ela não tenta agradar. E é justamente por isso que seu trabalho importa.
Coleções-chave: do corpo à abstração
1997 - Body Meets Dress, Dress Meets Body
Essa coleção inovadora apresentou o que muitos depois chamaram de “anti-silhueta”. Volumes acolchoados costurados sob tecido stretch distorciam a forma humana, criando volumes e contornos nada naturais. Kawakubo desafiou a fetichização do corpo feminino - um vestido não precisava valorizar o corpo, podia redefini-lo.
2005 - Broken Bride
Uma das coleções mais carregadas emocionalmente e teatrais dela. Peças em vermelho profundo, formas fragmentadas, camadas que evocam roupas de noiva rasgadas. A noiva aqui não é uma figura romântica, mas sim um sacrifício - parte ícone, parte fantasma, parte relíquia. É um estudo de ritual, memória e simbolismo cultural.
2012 - Two Dimensions
Nesta coleção, as modelos pareciam ter saído de um desenho. Silhuetas planas, contornos caricatos - uma meditação sobre o eu visual em uma cultura da imagem. Um corpo humano representado em duas dimensões: a imagem tomando o lugar da identidade.
2020 - Not Making Clothes
Kawakubo declarou publicamente que não queria mais “apenas fazer roupas”. Essa coleção foi mais uma performance artística do que moda, com formas abstratas e estruturas arquitetônicas substituindo as peças tradicionais. Foi um protesto silencioso, mas radical, contra o consumismo - e um retorno à essência: a ideia como coração da criação.
2017 - Reconhecimento institucional
Rei Kawakubo tornou-se apenas a segunda estilista viva designer (depois de Yves Saint Laurent) a ser homenageada com uma exposição solo no The Met. Ela recusou quaisquer painéis biográficos ou contextuais - apenas as roupas foram exibidas. 140 looks dispostos em diálogos temáticos: Moda/Anti-Moda, Beleza/Grotesco, Design/Não Design. Não foi só reconhecimento - foi uma declaração clara: seu trabalho pertence ao cânone da arte e do pensamento contemporâneo.
Não são apenas roupas - é uma experiência
Comme des Garçons nunca teve como objetivo “valorizar a aparência”. É sobre como você se sente ao usar algo que quebra todas as regras. Como você percebe o corpo quando a roupa não valoriza, mas transforma. Rei Kawakubo nunca quis fazer parte do sistema - ela quis repensá-lo. E é aí que está o poder dela.
Se você busca moda para conforto, estética ou tendências - Comme des Garçons pode parecer difícil. Mas se você busca profundidade, diálogo e risco criativo - Rei Kawakubo já está esperando por você do outro lado.